Os Porcos - George Orwell

Porcos, sempre eles
Este é o começo do Capítulo VIII da Revolução dos Bichos (Animal Farm) do escritor George Orwell (1903-1950), um livro obrigatório para entender o nosso tempo.

Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais lembraram-se - ou julgaram lembrar-se - de que o Sexto Mandamento rezava: "Nenhum animal matará outro animal." Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros, parecia-lhes que a matança ocorrida não se ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a Benjamim que lesse o Sexto Mandamento e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a envolver-se em tais assuntos, procurou Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: "Nenhum animal matará outro animal, sem motivo." De uma ou outra maneira, as duas últimas palavras haviam escapado à memória dos bichos. Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não fora violado; sim, pois, evidentemente, havia boas razões para matar os traidores que se haviam aliado a Bola-de-Neve.

Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho de vento, as paredes com o dobro de espessura, sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o trabalho normal da granja, era tudo tremendamente laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu que estavam trabalhando mais do que no tempo de Jones, sem se alimentarem melhor. Nos domingos de manhã, Garganta, segurando uma comprida folha de papel, lia, para eles relações de estatísticas comprobatórias de que a produção de todas as classes de gêneros alimentícios aumentara de duzentos, trezentos ou quinhentos por cento, conforme o caso. Os bichos não viam razão para desacreditá-lo, especialmente porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Revolução. Mesmo assim, dias havia em que prefeririam ter menos estatísticas e mais comida. Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era visto em público mais do que uma vez cada quinze dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só pela sua matilha de cães, mas também por um garnisé preto que marchava à sua frente, atuando como arauto, soltando um cocoricó antes de cada fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam, ele habitava um apartamento separado dos demais. Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a espingarda seria disparada anualmente na data do aniversário de Napoleão, assim como nos outros dois aniversários.



Agora já não mencionavam Napoleão como "Napoleão" simplesmente. Referiam-se a ele de maneira formal, como "nosso Líder, o Camarada Napoleão", e os porcos gostavam de inventar para ele títulos tais como Pai de Todos os Bichos, Terror da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos Pintainhos e assim por diante. Garganta, em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu coração, no profundo amor que devotava aos animais de todos os lugares, mesmo - e especialmente - aos infelizes animais que ainda viviam na ignorância e na escravidão, em outras granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o crédito de todos os êxitos e de todos os golpes de sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha comentar para outra: "Sob a orientação de nosso Líder, o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis dias"; ou duas vacas, bebendo juntas no açude, exclamarem: "Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água!" O sentimento geral da granja era bem expresso num poema intitulado "O Camarada Napoleão", composto por Mínimo, que era assim:

Amigo dos órfãos!
Fonte da Felicidade! Senhor do balde de lavagem! Oh, minh'alma arde
Em fogo quando eu te vejo
Assim, calmo e soberano,
Como o sol na imensidão,
Camarada Napoleão!
Tu és aquele que tudo dá, tudo
Quanto as pobres criaturas amam.
Barriga cheia duas vezes por dia, palha limpa onde rolar;
Todos os bichos, grandes, pequenos,
Dormem tranqüilos, enquanto
Tu zelas por nós na solidão,
Camarada Napoleão!
Tivesse eu um leitão e
Antes mesmo que atingisse
O tamanho de um garrafão ou de um barril
Já teria aprendido a ser, eternamente,
Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro
Guincho que daria meu leitão. seria:
"Camarada Napoleão!"

Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo no grande celeiro, na parede oposta àquela onde estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por Garganta. Enquanto isso, por intermédio de Whymper, Napoleão envolvera-se em negociações complicadíssimas com Frederick e Pilkington. As pilhas de madeira ainda não estavam vendidas. Dentre os dois, Frederick era o mais ansioso por colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço razoável. Ao mesmo tempo circulavam renovados boatos de que Frederick e seus homens estavam planejando atacar a Granja dos Bichos e destruir o moinho de vento, cuja construção lhe causara enorme ciúme. Sabia-se que Bola-de-Neve ainda estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao verão correu entre os animais a notícia alarmante de que três galinhas se haviam apresentado confessando que, instigadas por Bola-de-Neve, haviam conspirado para assassinar Napoleão. Foram executadas imediatamente e se tomaram novas medidas para a segurança de Napoleão. Quatro cachorros passaram a montar guarda junto à sua cama, durante a noite, um em cada canto, e um jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa de provar a comida, para evitar que ele fosse envenenado.

Mais ou menos por essa época, foi anunciado que Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao Sr. Pilkington; ia assinar também um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Granja dos Bichos e Foxwood.

As relações entre Napoleão e Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio de Whymper, eram agora quase amistosas. Os bichos não confiavam em Pilkington, ser humano que era, mas preferiam-no a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam. Com o passar do verão e estando o moinho de vento perto da conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro ataque tornavam-se cada vez mais fortes. Frederick, dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens armados de espingardas e já subornara os magistrados e a polícia, de forma que, se conseguissem colocar as mãos nas escrituras de propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse problema algum. Além disso, filtravam-se de Pinchfield terríveis histórias a respeito das barbaridades a que Frederick submetia seus animais. Havia chicoteado um cavalo velho até liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara um cachorro jogando-o numa fornalha, divertia-se de noite assistindo a brigas de galos, em cujas esporas colocava pedaços de lâminas de barbear.

O sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam contar o que se fazia contra seus camaradas e, às  vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair para atacar Pinchfield, expulsar os humanos e libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os a evitar essas atitudes violentas e a confiar na estratégia do Camarada Napoleão. - Não obstante, crescia o sentimento de ódio com relação a Frederick. Certo domingo de manhã, Napoleão apareceu no celeiro e declarou que jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas de madeira a Frederick; considerava abaixo de sua dignidade, disse, fazer negócios com patifes daquela espécie. Os pombos, que continuavam a espalhar as mensagens da Revolução, foram proibidos de pôr os pés em qualquer ponto de Foxwood e receberam ordem de modificar seu slogan de "Morte à Humanidade" para "Morte a Frederick". Entrementes, no fim do verão, foi revelada outra das maquinações de Bola-de-Neve.

A lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se que Bola-de-Neve havia misturado sementes de joio às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito confessou sua culpa a Garganta e suicidou-se comendo frutinhas de erva-moura. Os animais ficaram sabendo também que Bola-de-Neve jamais havia recebido, como pensavam muitos até então, a comenda de "Herói Animal, Primeira Classe". Era apenas uma lenda, criada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve. Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele for a repreendido por demonstrar covardia durante a batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso com perplexidade, mas Garganta conseguiu convencê-los de que fora um lapso de suas memórias. . .

George Orwell - A Revolução dos Bichos - Capítulo VIII
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7 comentários:

  1. Ale, sou apaixonada por esse livro do Orwell. Quando tiver tempo, dá uma olhadinha no blog "A Revolução dos Bichos e o PT", com as devidas comparações em letras vermelhas.

    Pelo jeito, você gosta muito de ler - pode ser considerado uma raridade atualmente.

    Um abração, Ju

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  2. Ola amigo, vim para agradecer por acompanhar o Politica... e me deparei com uma otima pagina, bem ao meu gosto. Prometo visita-lo e fazer comentarios sempre que possivel. Obrigada.

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  3. Olá,Ale.
    Gostei muito do trabalho em seu blog, pois aborda temas variados em seus posts.Parabéns pela iniciativa, à blogosfera precisa de trabalhos assim. Já estou seguindo seu blog, se desejar conhecer meu trabalho de estudos historicos o endereço é http://www.construindohistoriahoje.blogspot.com. Gostaria de pedir para apoiar nosso trabalho contra o racismo, realizado pela CENACORA (Comissão Ecumênica de Combate ao Racismo)
    Um abraço,
    Leandro

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  4. Devolvendo a túa visita atopome con este blog interesante e onde se pode aprender moito. Quedo nel.
    Un saúdo

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  5. Interessante texto!

    Parabéns pelo seu blog!!!


    Almirante Kirk

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  6. Obrigada por relembrar.
    Muito interessante o seu blog, se quiser podemos trocar links.

    abs

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  7. Lembro-me perfeitamente quando li pela primeira vez A Revolução dos Bichos, logo em seguida 1984. Seu estilo de criticar e combater as formas autoritárias de domínio social, pelo menos na minha época de acadêmico funcionou como uma injeção de ânimo contra a guilhotina que decepa a voz e as boas intenções de uma maioria encurralada com pouco oxigênio.
    Parabéns pelo seu blog, gostei e voltarei com mais frequência.

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