Esta semana o blog do Mr. X fez uma indagação que não é nova, mas continua interessante, principalmente quando as idéias e as letras são tratadas com gentileza, como é freqüente neste excelente blog. 
A questão já habitou as mentes mais iluminadas da História e continua a intrigar todos que a ela se dedicam. Não seria este blog, portanto - e muito menos eu -, a respondê-la. A única pista de que dispomos, creio eu, é que existe sim um sentido, inabarcável em sua totalidade, mas com "pedaços" acessíveis à compreensão por meio da intuição, da percepção, da dedução, da reflexão e, principalmente, por meio da Revelação.
Observando a realidade podemos identificar padrões por trás dos fluxos, analogias, fractalidade, simetria e auto-singularidade em todos os objetos existentes no universo, compondo uma Ordem Natural que espelha uma Ordem Divina, ou seja, a Vontade de Deus. 
Nunca entenderemos o sentido total da existência porque ela engloba a soma de todas as possibilidades e esta consiste na Mente Divina, o Logos. No entanto podemos entender um pouquinho deste sentido, seja pelas nossas faculdades cognitivas, seja pela Revelação, e como ele é a representação da Vontade Divina, devemos nos apegar a este sentido compreendido da mesma forma que um náufrago se agarra a um bote salva-vidas.
Além do tema intrigante que a postagem levantou, também me identifiquei com o sentimento de impotência e conseqüente inutilidade do blog. Não tenho competência para dar conselhos a ninguém, mas costumo pensar assim: se o blog servir de semente para uma hipotética salvação de uma única alma, já está valendo; se ninguém leu, mas serviu para organizar o que vou aprendendo, está valendo também. No caso do blog do Mr. X, além de agradável e interessante, é útil e deve continuar a espalhar informação de qualidade e opiniões consistentes. Portanto, mãos à obra! Continue escrevendo!
O Trabalho de Isaías
Numa tarde do último outono, sentei por longas horas com um conhecido  europeu, enquanto ele expunha uma doutrina político-econômica que  parecia ser sólida como uma noz e na qual eu não conseguia achar defeito  algum. Por fim ele me disse, com muita gravidade: "Eu tenho uma missão  para com as massas. Sinto que sou chamado para ser ouvido pelo povo.  Devotarei o resto de minha vida a espalhar amplamente minha doutrina  entre a população. O que você acha?"
Esta é, em qualquer caso, uma pergunta desconfortável, e mais ainda  nessas circunstâncias, por que meu conhecido é um homem muito culto, uma  das três ou quatro mentes de primeira classe que a Europa produziu em  sua geração; e naturalmente eu, sendo um dos incultos, estava disposto a  considerar a menor de suas palavras com uma reverência beirando o  temor. Ainda assim, eu pensei, nem mesmo a melhor das mentes pode saber  tudo, e eu estava certo de que ele não tivera as mesmas oportunidades  que eu para observar as massas da humanidade, e que, portanto, eu as  conhecia melhor do que ele. Então, juntei coragem para dizer que esta  não era sua missão. E que fazia bem em tirar essa idéia da cabeça de uma  vez; ele descobriria que as massas não dariam a mínima para sua  doutrina, e menos ainda para ele mesmo, já que em tais circunstâncias o  favorito do povo é geralmente algum Barrabás. Eu cheguei até mesmo a  dizer (ele é judeu) que a sua idéia parecia mostrar que não estava bem  inteirado da literatura de seu povo. Ele sorriu da minha pilhéria, e  perguntou o que eu queria dizer com ela; então, me referi à história do  profeta Isaías.
Me ocorrera então que esta história valia a pena ser recordada, agora  quando tantos homens sábios e adivinhos parecem carregar o fardo de uma  mensagem para as massas. Dr. Townsend tem uma mensagem, Padre Coughlin  outra, Upton Sinclair, Lippmann, Chase e a sociedade para uma economia  planificada, Tugwell e os New Dealers, Smith e a liga da Liberdade – a  lista não tem fim. Não consigo lembrar de uma época em que tantos  endemoninhados diferentes pregavam a Palavra às multidões e lhes diziam o  que fazer para serem salvas. Sendo assim, me ocorreu, como eu dizia,  que a história de Isaías deve ter algo que firme e concilie o espírito  humano, até que esta tirania verborrágica esteja ultrapassada.  Parafrasearei a história em linguagem comum, já que suas partes devem  ser colhidas de várias fontes; e dado que respeitáveis eruditos acharam  apropriado publicar uma versão inteiramente nova da Bíblia no vernáculo  americano, me abrigarei atrás deles, se necessário, contra a acusação de  estar lidando irreverentemente com as Sagradas Escrituras.
A carreira do profeta teve início no fim do reinado de Ezequias, por  volta de 740 a.C. Este reinado foi anormalmente longo, de quase meio  século, e indubitavelmente próspero. Foi um daqueles reinados prósperos,  entretanto – como o de Marco Aurélio em Roma, ou a administração de  Eubulus em Atenas, ou a de Coolidge em Washington – onde no fim a  prosperidade subitamente se esfarela e desmorona, com um retumbante  estrondo.
No ano da morte de Ezequias, o Senhor incumbiu o profeta de ir avisar  o povo do castigo iminente. "Diga-lhes que bando de inúteis eles são."  Disse Ele, "Conte-lhes o que está errado, por que e o quê vai acontecer a  menos que reformem seus corações e se endireitem. Não use de meias  palavras. Deixe claro que esta é irrecorrivelmente a última chance.  Mande ver sem piedade, e continue mandando ver. Suponho que Eu talvez  deva lhe dizer," Ele continuou, "que não vai adiantar nada. A classe  oficial e a intelligentsia vão te desprezar, e as massas sequer te  ouvirão. Eles continuarão em seus caminhos até que consigam destruir  tudo, e considere-se com sorte se você sair dessa com vida."
Isaías estivera bastante disposto a assumir a missão – na verdade,  ele pedira por ela – mas essa perspectiva deu novos contornos à  situação. Levantou a evidente questão: Por que, se era assim – se a  empreitada era destinada, de início, ao fracasso – havia qualquer  sentido em empreendê-la? "Ah," disse o Senhor, "você não entende. Há  Remanescentes por lá dos quais você nada sabe. Eles são obscuros,  desorganizados, inarticulados, cada um se virando como pode. Eles  precisam ser encorajados e reforçados, porque quando tudo tiver ido por  água abaixo, serão eles a retornar e construir uma nova sociedade; e  entrementes, sua pregação os reassegurará e os manterá de pé. Seu  trabalho é cuidar dos Remanescentes, então vá logo e comece a agir."
Claramente, portanto, se a palavra do Senhor vale para alguma coisa –  não opinarei sobre isto – os únicos elementos na sociedade judaica  dignos de serem incomodados eram os Remanescentes. Isaías parece ter  finalmente entendido que este era o caso; que nada se esperasse das  massas, mas se houvesse qualquer coisa de substancial a ser feita na  Judéia, os Remanescentes seriam os encarregados. Esta é uma idéia muito  impressionante e sugestiva; mas antes de explorá-la mais a fundo,  precisamos ser perfeitamente claros sobre nossos termos. O que queremos  dizer com "as massas", e o que com "os Remanescentes"?
Da maneira em que é comumente utilizada, a palavra massas sugere  aglomerações de pessoas pobres e desprivilegiadas, pessoas  trabalhadoras, proletários - e não quer dizer nada disso; quer dizer,  simplesmente, a maioria. O homem-massa é um que não tem a força de  intelecto para apreender os princípios que ser revelam naquilo que  conhecemos como vida humana, nem a força de caráter para aderir àqueles  princípios firme e estritamente como leis de conduta; e porque tais  pessoas perfazem a imensa e esmagadora maioria da humanidade, elas são  chamadas coletivamente de as massas. A linha que separa as massas e os  Remanescentes é traçada invariavelmente pela qualidade, e não pelas  circunstâncias. Os Remanescentes são aqueles que por força do intelecto  são capazes de apreender tais princípios, e por força do caráter,  capazes, ao menos significativamente, de se apegarem a eles. As massas  são aqueles incapazes de ambas as coisas.
O retrato que Isaías nos apresenta das massas judaicas é deveras  desfavorável. Em sua perspectiva, o homem-massa – seja ele do topo ou da  base da sociedade, rico ou pobre, príncipe ou mendigo – se sai muito  mal. Ele aparece não apenas como tolo e irresoluto, mas conseqüentemente  velhaco, arrogante, avaro, dissoluto, inescrupuloso e sem princípios. A  mulher-massa não se sai melhor, participando de todas as qualidades  inconvenientes do homem-masssa, e contribuindo com algumas outras, como  vaidade e preguiça, extravagância e fraqueza. A lista de produtos de  luxo que ela consumiu é interessante; lembra-se da página feminina de um  jornal de Domingo em 1928, ou da exibição em algum de nossos periódicos  manifestamente "modernos". Noutro lugar, Isaías relembra as afetações  que conhecíamos pelo nome de "andar melindroso" e o "debutante slouch",  andar descuidado. Talvez seja bom dar um certo desconto à verve de  Isaías, dado o seu fervor profético; afinal, já que sua missão não era  converter as massas, e sim revigorar e tranqüilizar os Remanescentes,  ele provavelmente sentiu que podia exagerar indiscriminadamente, tanto  quanto quisesse – na verdade, isso era esperado dele. Mas mesmo assim, o  homem-massa judaico deve ter sido um indivíduo altamente censurável, e a  mulher-massa absolutamente odiosa.
Se o espírito moderno, o que quer que ele seja, não é inclinado a  tomar a palavra do Senhor pelo que ela é (como parece ser o caso),  podemos observar que o testemunho de Isaías sobre o caráter das massas é  grandemente corroborado por respeitáveis autoridades gentias. Platão  viveu sob a administração de Eubulus, quando Atenas estava no topo da  cultura de massa, o jazz-and-paper, e ele fala das massas atenienses com  o mesmo fervor de Isaías, chegando mesmo a compará-las a uma manada de  vorazes bestas selvagens. 
Curiosamente, também, ele aplica a mesma  palavra de Isaías, remanescentes, para a porção mais valorosa da  sociedade ateniense; "não há senão uns poucos remanescentes," ele diz,  daqueles que possuem uma redentora força de intelecto e força de caráter  – poucos demais, preciosos como os da Judéia, para serem úteis contra a  preponderância ignorante e viciosa das massas.
Mas Isaías era um pregador, e Platão um filósofo; e tendemos a  considerar pregadores e filósofos antes como observadores passivos do  drama da vida do que como participantes ativos. Portanto, num assunto  como este, seus julgamentos podem ser suspeitos de certa intransigência,  de serem um tanto ácidos, ou como dizem os franceses, saugrenu.  Podemos, portanto, trazer à baila uma outra testemunha, que foi  notavelmente um homem de ação, e cujo julgamento não é passível desta  suspeita. Marco Aurélio foi soberano do maior dos impérios, e deste  posto não apenas tinha o homem-massa romano sob observação, mas o teve  em suas mãos vinte e quatro horas por dia, durante dezoito anos. O que  ele não sabia sobre o homem-massa não era digno de ser sabido, e o que  pensava dele está abundantemente registrado em quase todas as páginas do  pequeno livro de apontamentos que escrevia improvisadamente em meio ao  cotidiano, para o qual não pretendia nenhum leitor senão ele mesmo.
Esta visão das massas é uma que encontramos prevalecendo largamente  entre as autoridades antigas a cujos escritos temos acesso hoje. No  século XVIII, entretanto, certos filósofos europeus espalharam a noção  de que o homem-massa, em seu estado natural, não é de modo algum o tipo  de pessoa que as autoridades de outrora acreditavam ser, mas, pelo  contrário, que é um valoroso objeto de interesse. Sua indocilidade é um  efeito do ambiente, um efeito pelo qual a "sociedade" é de algum modo  responsável. Se apenas seu ambiente lhe permitisse viver de acordo com  as próprias luzes, ele indubitavelmente se provaria um bom sujeito; e a  melhor maneira de assegurar um ambiente mais favorável para ele seria  deixar o próprio se encarregar do ambiente. A Revolução Francesa agiu  poderosamente como trampolim para esta idéia, projecionando sua  influência em todos os cantos da Europa.
Neste lado do oceano, um continente completamente novo se dispôs a um  experimento em larga escala desta teoria. Gastou todos os recursos  disponíveis pelos quais as massas pudessem desenvolver uma civilização  feita à sua própria imagem e semelhança. Não havia qualquer força  tradicional que perturbasse sua preponderância, ou que as pusesse sob o  implacável escrutínio dos Remanescentes. Imensa riqueza natural,  predomínio inquestionado, isolamento quase total, livre de interferência  externa e do temor dela e, por fim, um período de cento e cinqüenta  anos – tais são as vantagens que teve o homem-massa, na criação de uma  civilização que destruiria a crença dos pregadores e filósofos de  outrora de que nada de substancial poderia ser esperado das massas, mas  apenas dos Remanescentes.
O sucesso não impressiona. Com base nas evidências até agora  apresentadas, é preciso dizer, penso eu, que a concepção do homem massa  sobre o que a vida tem a oferecer, e o que ele escolhe pedir da vida,  parecem hoje ser basicamente as mesmas que nos tempos de Isaías e de  Platão; e também os catastróficos conflitos e convulsões sociais nos  quais sua visão de mundo e suas exigências à vida o implicam. Contudo,  não pretendo me estender sobre isso, mas somente observar que a  importância monstruosamente inflada das massas evidentemente afastou da  cabeça do profeta todo pensamento concernente a uma possível missão dos  Remanescentes. É obviamente assim que deveria ser, caso os pregadores e  filósofos antigos estivessem errados, e caso as últimas esperanças da  humanidade estivessem centradas nas massas. Se, por outro lado,  acontecer de o Senhor e Isaías e Platão e Marco Aurélio estarem certos  na estimativa do valor social relativo das massas e dos Remanescentes, o  caso é um tanto diferente. Além disso, dado que, com tudo a seu favor,  até agora as massas tenham dado uma demonstração extremamente  desencorajadora de si mesmas, parece que a questão em pauta entre estes  dois sistemas de opinião pode ser reaberta com proveito.
Mas, sem seguir esta sugestão, eu quero apenas, como disse, sublinhar  o fato de que, do jeito que as coisas estão, o trabalho de Isaías  parece ser pouco procurado. Todos os que têm uma mensagem hoje em dia  estão, como meu venerável amigo europeu, ansiosos por levá-la às massas.  Sua primeira, última, e única preocupação é ser aceito e aprovado pelas  massas. Seu grande cuidado é dispor sua doutrina de tal forma que possa  capturar o interesse e a atenção das massas. Esta atitude para com as  massas é tão exclusiva, tão devota, que faz lembrar o monstro troglodita  descrito por Platão, e a diligente multidão à entrada de sua caverna,  tentando obsequiosamente apaziguá-lo e ganhar seu favor, tentando  interpretar seus ruídos inarticulados, tentando descobrir o que o  monstro deseja, e avidamente oferecendo a ele toda espécie de coisas  que, imaginam, possam agradá-lo.
O problema principal disso tudo é o efeito que tem sobre a própria  missão. Requer uma adulteração oportunista da doutrina, que altera  profundamente seu caráter e a reduz a um mero placebo. Se, digamos, você  é um pregador, deseja atrair uma congregação tão grande quanto  possível, o que significa um apelo às massas; e isto, por sua vez, quer  dizer adaptar os termos da sua mensagem à ordem de intelecto e caráter  própria das massas. Se você é um educador, digamos que no comando de uma  faculdade, quer acumular o máximo de alunos possível, e faz os cortes  necessários nos requisitos mínimos. Se um escritor, deseja conseguir  muitos leitores; se um editor, muitos compradores; se um filósofo,  muitos discípulos; se um reformador, muitos convertidos; se um músico,  muitos ouvintes; e assim por diante. Mas como podemos observar por todos  os lados, na realização destes vários desejos, a mensagem profética é  tão pesadamente adulterada com trivialidades em todos os níveis, que seu  efeito sobre as massas é simplesmente fortalecê-las em seus pecados.  Enquanto isto, os Remanescentes, conhecedores desta adulteração e dos  desejos que a motivam, viram suas costas ao profeta e não querem mais  saber dele ou de sua mensagem.
Isaías, por outro lado, não trabalhava sob tais estorvos. Ele pregava  para as massas somente no sentido em que pregava publicamente. Qualquer  um que gostasse podia ouvir; qualquer transeunte podia ser alguém que  gostasse. Ele sabia que os Remanescentes ouviriam; e sabendo também que  não devia, sob nenhuma circunstância, esperar qualquer coisa das massas,  não fazia nenhum apelo específico a elas, não adaptava sua mensagem à  medida delas de modo algum, e não ligava a mínima para se prestavam ou  não atenção. Como um editor moderno poderia dizer, ele não se preocupava  com circulação ou propaganda. Então, com todas as obsessões desse tipo  completamente fora do caminho, ele estava apto a fazer o seu melhor, sem  medo ou concessões, e respondendo apenas ao seu augusto Chefe.
Se um profeta não for muito inclinado a ganhar dinheiro com sua  missão, ou a adquirir com ela uma espécie dúbia de notoriedade, as  considerações acima levariam a dizer que servir os Remanescentes parece  um bom trabalho. Uma tarefa à qual você pode realmente se dedicar, e  fazer o seu melhor sem pensar nos resultados, é um trabalho de verdade;  enquanto que servir às massas é, na melhor das hipóteses, um meio  trabalho, levando em conta as severas condições que as massas impõem aos  seus servidores. Elas te pedem que lhes dê o que querem, insistem  nisso, e se recusam a receber qualquer outra coisa; e seguir seus  caprichos, suas mudanças irracionais de gosto, seus humores quentes ou  frios, é um negócio tedioso – para não mencionar o fato de que seus  desejos permanentes têm muito pouco a ver com os recursos proféticos de  alguém. Os Remanescentes, por outro lado, querem apenas o seu melhor,  seja qual ele for. Dê o seu melhor a eles, e estarão satisfeitos; você  não tem mais nada com que se preocupar. O profeta das massas americanas  deve almejar conscientemente o mínimo denominador comum do intelecto, do  caráter e do gosto entre 120.000.000 de pessoas; e esta é uma tarefa  perturbadora. O profeta dos Remanescentes, pelo contrário, está na  invejável posição de Papa Haydn no palácio do Príncipe Esterhazy. Tudo o  que Haydn tinha que fazer era continuar desencavando as melhores das  melhores músicas que ele sabia como criar, sabendo que ela seria  entendida e apreciada por aqueles para quem produziu, e não ligando a  mínima para o que os outros pensavam dela; e isto é um bom trabalho.
Num certo sentido, entretanto, como eu disse, não é um trabalho  recompensador. Se você consegue suportar os caprichos das massas, e ter a  sagacidade de estar sempre um passo adiante de suas excentricidades e  vacilações, pode conseguir um bom retorno monetário servindo a elas, e  um bom retorno num tipo de notoriedade boca-a-boca:
Digito monstrari et dicier, Hic est!
[que nos apontem e digam: é ele!]
Todos nós conhecemos inumeráveis políticos, jornalistas, dramaturgos,  romancistas e afins, que se deram extremamente bem neste caminho.  Cuidar dos Remanescentes, pelo contrário, traz pouca promessa de  recompensas do tipo. Um profeta dos Remanescentes não se tornará  orgulhoso dos retornos financeiros de seu trabalho, nem é provável que  adquira um grande renome por ele. O caso de Isaías foi uma exceção a  esta segunda regra, e existem outras, mas não muitas.
Pode-se pensar então que, embora cuidar dos Remanescentes seja sem  dúvida um bom trabalho, não é um trabalho particularmente interessante,  pois via de regra é tão pobremente recompensado. Tenho minhas dúvidas  quanto a isso. Há outras compensações a serem tiradas de um trabalho  além de dinheiro e fama, e algumas delas são substanciais o suficiente  para se tornarem atrativas. Muitos trabalhos que não pagam bem são ainda  assim profundamente interessantes, como, por exemplo, dizem que é o do  pesquisador científico; e o trabalho de cuidar dos Remanescentes me  parece, depois de muitos anos pesquisando-o a partir de minha tribuna de  honra, não ser menos interessante do que qualquer outro trabalho  encontrável no mundo.
O que o faz ser assim, penso, é o fato de que em qualquer sociedade  os Remanescentes são sempre uma quantidade desconhecida. Você não sabe, e  nunca vai saber, mais do que duas coisas sobre ele. Você pode estar  certo – dead sure, como diz a nossa expressão – delas, mas não será  capaz sequer de fazer uma especulação crível sobre qualquer outra coisa.  Você não sabe, e nunca saberá, quem são os Remanescentes, nem o que  eles estão fazendo ou farão. Você sabe de duas coisas, e não mais:  primeira, que eles existem; segunda, que eles te encontrarão. Exceto por  essas duas certezas, trabalhar para os Remanescentes significa  trabalhar em meio a uma escuridão incompreensível; e esta, digo eu, é  exatamente a condição calculada com mais perfeição para despertar o  interesse de qualquer profeta que seja propriamente dotado de  imaginação, de insight e da curiosidade intelectual necessárias para uma  prática feliz de sua atividade.
O que fascina e desespera o historiador, ao examinar o povo judaico  de Isaías, a Atenas de Platão, ou a Roma dos Antoninos, é a esperança de  descobrir e revelar o "substratum do bem pensar e do fazer correto" que  ele sabe que deve ter existido em algum lugar naquelas sociedades,  porque nenhum tipo de vida coletiva pode subsistir sem ele. Ele encontra  excitantes indícios aqui e ali em muitos lugares, como na Antologia  Grega, no álbum de recortes de Aulus Gellius, nos poemas de Ausonius, e  no breve e comovente tributo, Bene merenti, conferido aos desconhecidos  ocupantes das tumbas romanas. Mas estes são vagos e fragmentários; eles  não o ajudam em sua busca por algum método de medição deste substratum,  mas meramente atestam o que ele já sabia a priori – que o substrato  realmente existia em algum lugar. Onde estava, o quanto tinha de  substancial, qual o seu poder de auto-afirmação e resistência – sobre  tudo isso, nada é dito.
De mesma forma, quando o historiador de daqui a dois mil ou duzentos  anos examinar o testemunho disponível sobre a qualidade da nossa  civilização, e tentar alcançar qualquer tipo de evidência clara e  convincente do substratum do bem pensar e do fazer correto, que ele sabe  que deve ter existido, vai passar pelo diabo até conseguir encontrá-lo.  Quando tiver reunido tudo o que conseguiu, e quando tiver aberto certa  margem para falácias, vagueza, e confusão de motivo, tristemente  reconhecerá que a sua rede não capturou absolutamente nada.  Remanescentes estiveram aqui, construindo um substratum como insetos de  coral; isto ele sabe, mas não encontrará nada que o ponha na pista de  quem e onde e quantos eles foram, e de que maneira trabalhavam.
Quanto a tudo isso, também, o profeta do presente sabe exatamente  tanto e tão pouco quanto o historiador do futuro; e é isto, repito, que  me faz seu trabalho parecer tão profundamente interessante. Um dos  episódios mais sugestivos recontados na Bíblia é aquele sobre a  tentativa de um profeta – a única tentativa do tipo de que se tem  registro, que eu saiba – de contar quantos eram os Remanescentes. Elias  fugira da perseguição para o deserto, onde o Senhor imediatamente chamou  sua atenção e perguntou o que fazia, tão longe de seu trabalho. Ele  respondeu que estava fugindo, não por covardia, mas porque todos os  Remanescentes haviam sido mortos, com exceção dele mesmo. Ele escapara  por apenas um fio de cabelo, e, sendo agora o único Remanescente que  havia, se fosse morto a Fé Verdadeira teria fim. O Senhor respondeu que  ele não tinha que se preocupar com isso, pois mesmo sem ele a Fé  Verdadeira provavelmente conseguiria se arranjar de algum modo, se fosse  preciso; "e quanto ao seu cálculo dos Remanescentes," disse Ele, "Eu  não me importo em lhe dizer que há sete mil deles lá em Israel, dos  quais pelo visto você não tem notícia, mas pode acreditar em Minha  palavra de que lá eles estão."
Naquele tempo, a população de Israel provavelmente não podia ser  muito maior do que um milhão de pessoas; e um grupo de sete mil  Remanescentes em um milhão é uma porcentagem altamente encorajadora para  qualquer profeta. Com sete mil ao seu lado, não havia grandes motivos  para que Elias se sentisse solitário; e, a propósito, isso é algo que o  profeta moderno deve considerar quando tomado de tristeza. Mas o  principal é que se Elias o Profeta não conseguiu chegar a um palpite  mais aproximado sobre o número dos Remanescentes, do que quando tentou e  errou por sete mil, qualquer pessoa que enfrente este problema estará  apenas desperdiçando tempo.
A outra certeza com a qual o profeta dos Remanescentes pode sempre  contar é a de que os Remanescentes o encontrarão. Ele pode confiar nisso  com absoluta segurança. Eles o encontrarão sem que o profeta faça  qualquer esforço para tal; de fato, se fizer qualquer esforço, é bem  certo que os afastará. Ele não precisa propagandear-se para atraí-los,  nem recorrer a qualquer esquema de publicidade para angariar sua  atenção. 
Se ele é um pregador ou palestrante, por exemplo, pode ser  totalmente indiferente a aparições em coquetéis, a ter sua foto  publicada nos jornais ou fornecer material autobiográfico para  publicação, em nome do "interesse humano". Se um escritor, não precisa  se preocupar com aparecer em festas, fazer noites de autógrafo, nem  entrar em qualquer espécie de duvidosa confraria de críticos. Tudo isso e  muito mais do mesmo tipo se encontra na rotina normal e necessária do  profeta das massas; é, e deve ser, parte da grande técnica geral para  capturar os ouvidos do homem-massa – ou, como coloca o nosso vigoroso e  excelente publicista, o senhor H. L. Mencken, a técnica de  "boob-bumping", trombar com tolos. O profeta dos Remanescentes não está  preso a esta técnica. Ele pode estar certo de que os Remanescentes  encontrarão o caminho sem qualquer auxílio exterior; e não apenas isso,  mas se o encontrarem através destes auxílios, como eu disse, é muito  provável que fiquem com uma pulga atrás da orelha e dêem no pé.
A certeza de que os Remanescentes o encontrão, entretanto, deixa o  profeta no escuro tanto quanto antes, tão desamparado quanto antes na  questão de fazer qualquer espécie de estimativa sobre os Remanescentes;  pois, como acontece no caso de Elias, ele continua ignorante de quem são  os que o acharam, ou de onde estão ou quantos são. Eles não escreveram  para informá-lo, assim como fazem os que admiram as vedetes de  Hollywood, e nem mesmo o procuram e se apegam a esta pessoa. Eles não  são dessa espécie. Eles encaram a mensagem do profeta da mesma forma que  motoristas usam as direções inscritas numa placa de beira de estrada –  ou seja, dedicando muito pouca atenção à placa, além da grata alegria  que sentem por ela estar lá, e com todos os pensamentos voltados para as  direções.
Esta atitude impessoal dos Remanescentes aumenta maravilhosamente o  interesse do trabalho do profeta imaginativo. De vez em quando, apenas  com a freqüência suficiente para manter ativa sua curiosidade  intelectual, ele encontrará acidentalmente alguma nítida reflexão de sua  própria mensagem, em algum canto insuspeitado. Isso permite que se  entretenha, em momentos de lazer, com agradáveis especulações sobre o  curso que sua mensagem pode ter tomado até alcançar aquele lugar  específico, e sobre o que foi dela depois de chegar lá. O mais  interessante destes exemplos seria se fosse possível retraçar o caminho  (mas é sempre possível especular), até o ponto em que o próprio receptor  não sabe mais onde ou quando ou de quem ele recebeu a mensagem – ou  mesmo até o ponto, como acontece algumas vezes, em que ele esqueceu de  tê-la recebido em algum lugar, e imagina que a coisa é uma idéia  espontânea, surgida de sua própria mente.
Exemplos tais como estes provavelmente não são infreqüentes, pois,  mesmo sem presumir que façamos parte dos Remanescentes, todos nós  podemos, sem dúvida, lembrar de estarmos repentinamente sob a influência  de uma idéia cuja fonte nos é impossível identificar. "Eu só me dei  conta depois", como dizemos; ou seja, temos consciência dela somente  depois que feriu integralmente nossas mentes, deixando-nos completamente  ignorantes de como e quando e por qual agente foi plantada lá, e  deixada para que germinasse. Parece altamente provável que a mensagem do  profeta muitas vezes toma curso semelhante entre os Remanescentes.
Se, por exemplo, você é um escritor ou um palestrante ou um pregador,  oferece uma idéia que está alojada no Unbewußtsein de um membro  qualquer dos Remanescentes, e a idéia "pega" fácil lá. Por algum tempo  permanece inerte; então começa a afligir e ferir, até que invade a mente  consciente da pessoa, e, pode-se dizer, a corrompe. Enquanto isso, ele  esqueceu completamente de como chegou à idéia em primeiro lugar, e  talvez até mesmo pense que a inventou; e nestas circunstâncias, o mais  interessante de tudo é que você nunca sabe o que a pressão daquela idéia  pode levá-lo a fazer.
Por estes motivos, me parece que o trabalho de Isaías não é apenas  bom, mas extremamente interessante; especialmente na nossa época, quando  ninguém se encarrega dele. Se eu fosse jovem e tivesse o objetivo de  entrar no trabalho profético, certamente entraria neste ramo do negócio;  e portanto não tenho qualquer hesitação em recomendá-lo como carreira  para qualquer um que esteja nesta posição. Ela oferece um campo aberto,  sem competição; a nossa civilização despreza e rejeita os Remanescentes  tão completamente, que qualquer pessoa focada em seu serviço pode muito  bem ter a expectativa de dominar todo o negócio.
Mesmo presumindo que exista algum salvamento social a ser  experimentado com as massas, mesmo presumindo que o testemunho histórico  sobre o seu valor seja um pouco drástico demais, que leva o desespero  um pouco longe demais, ainda é necessário perceber, eu penso, que as  massas têm profetas demais e de sobra. Mesmo admitindo que nos momentos  críticos da história, a esperança da raça humana talvez não esteja  exclusivamente centrada nos Remanescentes, é necessário perceber que  eles têm valor social suficiente para lhes conferir um direito a alguma  medida de consolação e encorajamento proféticos, e que a nossa  civilização não lhes concede nenhum. Todas as vozes proféticas são  dirigidas às massas, e somente a elas; a voz do púlpito, a voz da  educação, a voz dos políticos, da literatura, do teatro, do jornalismo –  todas estas são dirigidas exclusivamente às massas, e elas conduzem as  massas na direção em que estão indo.
É possível sugerir, portanto, que o talentoso aspirante a profeta  pode muito bem voltar-se para outra direção. Sat patriae Priamoque datum  – qualquer obrigação do tipo devida ás massas já está paga, com um  excesso monstruoso. Contanto que as massas tomem o tabernáculo de  Moloque e de Quium, suas imagens, e sigam a estrela de seu deus  Buncombe, a elas não faltarão profetas que apontem o caminho que leva à  Vida Mais Abundante; e, portanto, os poucos que sentem o impulso  profético talvez façam melhor em se aplicar à tarefa de servir os  Remanescentes. É um bom trabalho, um trabalho interessante, muito mais  interessante do que servir às massas; e além do mais, é o único trabalho  em toda a nossa civilização, até onde sei, que oferece um campo virgem.