A Exemplar Família de Itamar Halbmann - Minha leitura



Mesmo para um leigo como eu, parece bem claro que uma das funções da literatura é registrar acontecimentos de forma a permitir que narrativas, verídicas ou ficcionais, possam estabelecer parâmetros e possibilidades futuras no imaginário do leitor.

Histórias e estórias servem para mostrar as condições humanas e refletir sobre elas. Biografias e relatos possuem a virtude de expor os pensamentos que mesmo quando extremamente originais se repetem com frequência e costumam delimitar uma época. A estréia do editor Diogo Fontana no outro lado do balcão cumpre à risca este propósito, e vai além.

Tudo começa como um exercício de escrita que busca aperfeiçoar a técnica apoiando-se em um dos grandes escritores de todos os tempos, Honoré de Balzac. A começar pelo título, e avançando pelo método descritivo minucioso e preciso, Diogo consegue captar o leitor logo nas primeiras linhas usando uma lente de aumento em um recorte da sociedade durante um período tortuoso e complexo da nossa História recente.

O cotidiano de uma família é descrito com uma enxurrada de detalhes e os personagens são tão reais que certamente o leitor conhece alguém exatamente como eles. Itamar e Silvana Halbmann circulam por aí. Circulam nos tribunais, nas salas de aula, nos restaurantes finos e no Facebook, e durante o período relatado no livro eles ficaram ainda mais evidentes.

Apesar do eixo da trama se desenrolar em Curitiba, com recuos e avanços que mudam a geografia momentaneamente, análogos da família podem ser encontrados, muito provavelmente, em Porto Alegra, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte -- em São Paulo eu tenho certeza absoluta.

O momento escolhido pelo autor, mesmo contemporâneo, já pode ser visto como um período histórico brasileiro. E exatamente por estar ainda fresco na memória podemos perceber o quão verdadeiro e sincero é o relato.

Tratando de registrar os anos de precipitaram uma profunda mudança no panorama político, a narrativa oferece também matéria prima para uma profunda observação cultural.

Toda hipocrisia de uma classe social que se julga acima das demais é escancarada lentamente, em cada cena, em cada drink ou em cada indignação, sincera, fingida ou forçada pelo círculo social. Sem panfletar sobre o tema, o livro impõe um olhar sobre a família de esquerdistas ricos, os revolucionários de butique que lucram com a causa sem demonstrar um pingo de remorso ou compaixão.

A observação da trajetória e do cotidiano dos Halbmann oferece ao leitor um diagnóstico do pensamento hegemônico e do discurso que influenciam nossa sociedade há pelo menos quatro décadas. Os acontecimentos políticos desmascaram o que estava escondido sob o manto da “justiça social”, da defesa dos “direitos das minorias”, do “amor aos pobres”, mas também revela como funciona o autoengano na cabeça daquilo que ficou conhecido como “esquerda caviar”.

Através dos Halbmann, Diogo Fontana reproduz uma época, e mais que isso, mostra como funcionam os meandros da hegemonia intelectual dita progressista. Tudo de forma absolutamente verossímil e consistente, que alcança a perfeição quando a personagem aproveita a folga proporcionada pela greve para preparar, com a ajuda da empregada, evidentemente,  um bouef bourguignonne, que eu confesso nem saber o que é.  Outro ponto alto da verossimilhança é uma postagem de Facebook que aparenta tanta realidade que eu desconfio que tenha mesmo existido. E não faltou nem o Iphone.

Mudando agora o foco para evitar o spoiler, vale ressaltar que além do conteúdo importantíssimo e tão bem manuseado pelo autor, a forma com que toda essa gama de informações é tratada também merece elogios. Mesmo com a leveza de um texto fluído e agradável, Diogo usa recursos variados que vão da crônica de costumes às nobres ferramentas de descrição introspectiva de grandes romancistas, passando por uma espécie de jornalismo detalhista, na melhor definição deste termo.

Finalizando, A Exemplar Família de Itamar Halbmann é um texto leve sem ser superficial, sério sem ser chato, um mergulho em uma época que aparentemente representará um desvio de rota. Um texto impecável que estrutura uma narrativa detalhadíssima que, entre outras coisas, descreve com precisão a fonte do poder na guerra cultural. Tenho certeza que este livro servirá como guia para a compreensão de um período decisivo na história brasileira. Leiam!

Título: A Exemplar Família de Itamar Halbmann 
Autor: Diogo Fontana 
Editora: Danúbio



O Clube de Bilderberg - Parte 1

Hotel Bilderberg, em Oosterbeek - Holanda


No início da década de 1950 um político polonês chamado Józef Retinger convenceu o Príncipe Bernardo de Lippe-Biesterfeld a criar um grupo de discussão estratégica com o objetivo de unificar projetos e amenizar tensões dentro da “comunidade do Atlântico”. Retinger era um aristocrata com passagem pela inteligência britânica e foi um dos fundadores do Movimento Europeu, gênese da União Européia.  Devido à credibilidade e enorme rede de contatos dos dois, poucos anos depois, em maio de 1954, o então Príncipe Consorte dos Países Baixos presidiu o primeiro encontro, que aconteceu em Oosterbeek, na Holanda, no Hotel Bilderberg, que deu nome ao clube. Nesta primeira conferência estiveram presentes 50 pessoas de 11 países da Europa Ocidental e 11 norte-americanos, entre eles David Rockefeller, que foi incumbido de preparar um documento de base sobre as perspectivas para a economia mundial do ponto de vista dos EUA. Hugh Gaitskell, líder do Partido Trabalhista inglês, ficou responsável pela visão europeia.

Jim Tucker (1934 - 2013)


Desde então as reuniões tornaram-se anuais, com exceção do período de 1954-1959, quando ocorreram oito eventos (dois em 1955 e dois em 1957). Durante muito tempo as reuniões permaneceram na sombra, e era negada inclusive a sua existência. Em meados da década de 1970 um jornalista de Washington começou a investigar aqueles encontros que reuniam a elite política, das finanças e da mídia. Como era de se esperar, Jim Tucker, autor de Bilderberg Diary, foi chamado de teórico da conspiração e lunático, mas devido à sua insistência no final do século XX outros jornalistas e pesquisadores começaram a perceber que algo de muito estranho deveria estar acontecendo para que uma reunião com tantas celebridades fosse desprezada por praticamente todos os veículos de comunicação. Um desses novos curiosos foi Daniel Estulin, um russo cuja família foi exilada da antiga União Soviética, que passou a rastrear os passos dos Bilderberg junto com Tucker e outros menos famosos. Pouco tempo depois o livro “A verdadeira história do Clube Bilderberg” de Estulin, jogaria luz sobre o assunto e mudaria até mesmo a postura do grupo, que diante da polêmica gerada passou de secreto para discreto.

Continua...

Boa Copa!



Há anos fui perdendo o interesse pelo futebol, mas isso não foi uma decisão racional ou planejada. Muito menos ideológica ou política. Embora as maracutaias, a idolatria e o comércio exagerado possam ter contribuído, creio que novos interesses e a dureza da realidade foram mais decisivos.
Mesmo sem paciência para acompanhar um jogo inteiro, continuo gostando do esporte, das rivalidades e até me divirto com as piadas da segunda-feira. Além de ainda apreciar jogadas incríveis e gols antológicos, outra coisa permanece: o prazer de conhecer uma boa história de um boleiro.

“Estava muito difícil fazer gol. Poucas vezes vi um jogo disputado com tanta seriedade e respeito mútuos. Mas houve um espetáculo à parte. Mané Garrincha foi o comandante. Dirigiu os cem mil espectadores, fazendo reagirem à medida de suas jogadas. Foi ali, naquele dia que surgiu a gíria do “Olé”, tão comumente utilizada posteriormente em nossos campos. Não porque o Botafogo tivesse dado Olé no River. Não. Foi um “Olé” pessoal.  De Garrincha em Vairo.
Nunca assisti a coisa igual. Só a torcida mexicana com seu traquejo de touradas poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um "Olé" daquele tamanho. Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: "Ô ô ô ô ô-lê"! O som do "olê" mexicano é diferente do nosso. O deles é o típico das touradas. Começa com um ô prolongado, em tom bem grave, parecendo um vento forte, em crescendo, e termina com a sílaba "lê" dita de forma rápida. Aqui é ao contrário: acentua-se mais o final "lé": "Olééé!" – sem separar, com nitidez, as sílabas em tom aberto.
Verdadeira festa. Num dos momentos em que Vairo estava parado em frente a Garrincha, um dos clarins dos "mariaches" atacou aquele trecho da Carmem que é tocado na abertura das touradas. Quase veio abaixo o Estádio Universitário.
(...)
O jogo terminou empatado. Vairo não foi até o fim. Minella tirou-o do campo, bem perto de nós no banco vizinho. Vairo saiu rindo e exclamando: "No hay nada que hacer. Imposible" – e dirigindo-se ao suplente que entrava, gozou:
– Buena suerte muchacho. Pero antes, te aconsejo que escribas algo a tu mamá.”

João Saldanha, no livro Histórias do Futebol, que eu ganhei do meu irmão.

Boa Copa para todos, até mesmo para os chatos que preferem outra forma de alienação.