Há anos fui perdendo o interesse pelo futebol, mas isso não foi uma decisão racional ou planejada. Muito menos ideológica ou política. Embora as maracutaias, a idolatria e o comércio exagerado possam ter contribuído, creio que novos interesses e a dureza da realidade foram mais decisivos.
Mesmo sem paciência para acompanhar um jogo inteiro, continuo gostando do esporte, das rivalidades e até me divirto com as piadas da segunda-feira. Além de ainda apreciar jogadas incríveis e gols antológicos, outra coisa permanece: o prazer de conhecer uma boa história de um boleiro.
“Estava muito difícil fazer gol. Poucas vezes vi um jogo disputado com tanta seriedade e respeito mútuos. Mas houve um espetáculo à parte. Mané Garrincha foi o comandante. Dirigiu os cem mil espectadores, fazendo reagirem à medida de suas jogadas. Foi ali, naquele dia que surgiu a gíria do “Olé”, tão comumente utilizada posteriormente em nossos campos. Não porque o Botafogo tivesse dado Olé no River. Não. Foi um “Olé” pessoal. De Garrincha em Vairo.
Nunca assisti a coisa igual. Só a torcida mexicana com seu traquejo de touradas poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um "Olé" daquele tamanho. Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: "Ô ô ô ô ô-lê"! O som do "olê" mexicano é diferente do nosso. O deles é o típico das touradas. Começa com um ô prolongado, em tom bem grave, parecendo um vento forte, em crescendo, e termina com a sílaba "lê" dita de forma rápida. Aqui é ao contrário: acentua-se mais o final "lé": "Olééé!" – sem separar, com nitidez, as sílabas em tom aberto.
Verdadeira festa. Num dos momentos em que Vairo estava parado em frente a Garrincha, um dos clarins dos "mariaches" atacou aquele trecho da Carmem que é tocado na abertura das touradas. Quase veio abaixo o Estádio Universitário.
(...)
O jogo terminou empatado. Vairo não foi até o fim. Minella tirou-o do campo, bem perto de nós no banco vizinho. Vairo saiu rindo e exclamando: "No hay nada que hacer. Imposible" – e dirigindo-se ao suplente que entrava, gozou:
– Buena suerte muchacho. Pero antes, te aconsejo que escribas algo a tu mamá.”
João Saldanha, no livro Histórias do Futebol, que eu ganhei do meu irmão.
Boa Copa para todos, até mesmo para os chatos que preferem outra forma de alienação.
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