O ofício do sábio - Santo Tomás de Aquino

O uso comum que, no entender do Filósofo (Aristóteles), deve ser seguido quando se trata de dar nome às coisas (Tópicos, II, 1, 5), manda que se chamem sábios aqueles que organizam diretamente as coisas e presidem ao seu reto governo. Entre outras idéias, o Filósofo afirma que "o ofício do sábio é colocar ordem nas coisas" (I Metafísica, II, 3). Ora, todos quantos têm o ofício de ordenar as coisas em função de uma meta devem haurir desta meta a regra do seu governo e da ordem que criam, uma vez que todo ser só ocupa o seu devido lugar quando é devidamente ordenado ao seu fim, já que o fim constitui o bem de todas as coisas.
Assim também acontece no setor das artes. Constatamos, efetivamente, que uma arte. detentora de um fim, desempenha em relação a uma outra arte o papel de reguladora e. por assim dizer, de princípio. A medicina, por exemplo, preside à farmacologia e a regula, pelo fato de que a saúde, que é o objeto da medicina, constitui a meta ou o objetivo de todos os remédios cuja composição compete à farmacologia.
O mesmo acontece com a arte de pilotar, com respeito à arte de construir navios, e com a arte da guerra, com respeito à cavalaria e aos fornecimentos militares. Estas artes, que presidem a outras, chamamo-las arquitetônicas ou artes principais, e os que se dedicam a elas, e que denominamos arquitetos, fazem jus ao nome de sábios.
Todavia, sendo que tais profissionais tratam dos fins em áreas particulares, e não atingem o fim último e universal de todas as coisas, denominamo-los sábios nesta ou naquela área, do mesmo modo como São Paulo Apóstolo afirma "ter colocado os fundamentos como um sábio arquiteto" (1 Cor 3, 12). O nome de sábio, pura e simplesmente, isto é. no sentido estrito do termo, está reservado àqueles que tomam por objeto de sua reflexão o fim ou a meta do universo, que constitui ao mesmo tempo o princípio de tudo. É neste sentido que, para o Filósofo, o ofício do sábio é o estudo das causas mais altas (I Metafísica, I. 12).
Ora, o fim último de cada coisa é o que é visado pelo seu primeiro Autor e causa motora. E o primeiro Autor e causa motora do universo é uma inteligência, como veremos mais adiante. Por conseguinte, o fim supremo do universo é o bem da inteligência. Este bem consiste na verdade. Conseqüentemente, a verdade será o fim último de todo o universo, e a grande preocupação primária da sabedoria consistirá no estudo desta verdade. Aliás, foi para manifestar a verdade que a divina Sabedoria, depois de ter revestido a nossa carne humana, declara ter vindo a este mundo: "Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade" (Evangelho de São João, capítulo 18, versículo 37). A seu turno, o Filósofo declara que a Primeira Filosofia é a ciência da verdade: não de qualquer verdade, mas daquela verdade que constitui a fonte de toda verdade e propriedade do princípio primário do ser de todas as coisas que existem. Esta verdade é o princípio de toda verdade, já que o estabelecimento dos seres na verdade vai de par em par com o seu estabelecimento no ser (primeiro livro da Metafísica, I. 4. 5).
Ora, é próprio de um e mesmo sujeito cultivar um dos elementos contrários e refutar ou rejeitar o outro. Assim, por exemplo, a medicina, que é a arte de restaurar a saúde, é também a arte de combater as enfermidades. Por conseguinte, assim como o oficio do sábio é meditar sobre a verdade, sobretudo a partir do primeiro princípio, e dissertar sobre as outras coisas, da mesma forma compete-lhe combater contra os erros contrários à verdade.
Este duplo ofício do sábio está exposto com perfeição pela Sabedoria, nas palavras que citamos ao início deste capítulo: o sentido do mencionado versículo é dizer a verdade divina, que é a verdade por excelência e por antonomásia: "Minha boca meditará sobre a verdade". E o sentido do outro versículo ("Meus lábios maldirão o ímpio") é: combater contra o erro que se opõe à verdade. Este último versículo designa o erro que se opõe à verdade divina, erro que é contrário à religião, sendo que esta última recebe também o nome de piedade, o que explica por que o erro contrário recebe o nome de impiedade.
Súmula Contra os Gentios - Santo Tomás de Aquino

Um comentário:

luiza campos disse...

parabens por este blog tão informativo e lúcido.

luiza campos